Um jornal pautado por outro, não por um acontecimento, uma fonte ou uma agência de notícia. Um fenômeno que Umberto Eco já identificava no final dos anos 1990. Em ‘Cinco escritos morais’ alerta que “[...] cada vez mais a imprensa fala da própria imprensa” (ECO, 1997, p.78). Ainda, “cada vez é mais freqüente o desmentido de quem diz que não deu nenhuma declaração ao jornal A, seguido da resposta do jornalista que sustenta ter lido a afirmação em uma entrevista do jornal B, sem se preocupar se o jornal B tirou a notícia indiretamente do jornal C” (ECO, 1997, p.78). Enquanto isso, a Folha de S. Paulo, referência do jornalismo brasileiro, em seu Manual de Redação (2001), a exemplo de outros jornais e manuais, segue advertindo que um jornal não pode ser fonte exclusiva de outro para uma informação.
O editorial de um jornal é replicado, sob forma de notícia, em outro – se é que se pode colocar em ‘gavetas’ distintas opinião e informação. É o
The New York Times que diz não ao terceiro mandato do presidente colombiano, Álvaro Uribe – “Colombia’s president, Álvaro Uribe, should tell his friends that he does not want a third term” –. Publicado na véspera, o editorial do
Times serve de aporte ao jornal
El Tiempo, diário produzido desde Bogotá.
TNYTimes assinala, critica, adverte, reconhece.
El Tiempo reproduz, usa aspas, limitando-se vez ou outra a atribuir valor – “señala 'The New York Times' en duro editorial”. O
Times ascende a fonte.
TNYTimes, que “tem uma enorme influência” não apenas no jornalismo estadunidense, conforme assinala Molina (2007, p.111), “é o meio de comunicação mais consultado pelos outros meio”: “o noticiário das redes de televisão fazem sua pauta a partir do
Times. E os jornais locais também” (MOLINA, 2007, 111).
Times, em seu editorial, lança algumas considerações que merecem um como ou por que, afinal está se referindo ao presidente de cujo país
El Tiempo é o jornal de maior circulação, mas o jornal colombiano não se dá ao trabalho de refletir, ao contrário repete.
Times diz: “The region needs democracy, underpinned by strong institutions”.
El Tiempo simplesmente usa aspas e repete: “La región necesita una democracia que se afinque en instituciones fuertes” – mas afinal, elas não o são? por que não?
Times diz mais e
El Tiempo segue repetindo: Uribe demonstrou “muy poco respeto por las instituciones de la democracia colombiana” – quando? de que forma? em que momentos de seu governo?
Claro,
El Tiempo usa aspas e isso o exime de ser responsabilizado por tais afirmações, que em verdade não são suas, mesmo que delas compartilhe, o que não acredito, uma vez que é considerado um jornal alinhado com o governo de Uribe. Assim, ao usar aspas e reproduzir a fala do outro jornal, da fonte
The New York Times,
El Tiempo exime-se também de, por uma análise sobre a conjuntura política, fazer pensar sobre.
TNYTimes, que “é possivelmente o jornal mais influente do mundo” (MOLINA, 2007, p.156) , ao concluir seu editorial, apresenta duas possibilidades ao presidente colombiano – permanecer ou não no poder: “Mr. Uribe’s Choice” –, sem deixar de emitir valor a cada uma delas. Se Uribe abrir mão de um terceiro mandato, diz
Times e reproduz
El Tiempo “será recordado como el líder que sacó a Colombia del precipicio y la puso en la ruta de la paz”. Por outro lado, se continuar no poder “manchará su legado y debilitará el sistema de pesos y contrapesos, esenciales para la democracia colombiana”. Ou, o que deve pesar mais na decisão de Uribe se permanecer será comparado aos latino-americanos Chavez-Evo-Correa.
TNYTimes simplifica os governos de Uribe e de Chaves-Evo-Correa pela velha dicotomia bom-mau. Ao menos aí,
Times não encontra, de todo, eco na caixa de ressonância de
El Tiempo, que só faz menção à Venezuela de Chaves.
El Tiempo traz, para comentar o que
TNYTimes discute, um ex-assessor presidencial e um ex magistrado da Corte Surprema. A reflexão, por sua vez, pauta o próprio jornalismo. Um dos ‘ex’ diz: “No veo por qué hay que obligar”; o outro ‘ex’ lamenta “las consecuencias que puede tener para el país la imagen que empieza a formarse en el exterior”. E o jornalismo segue fazendo-se entender como aquele que tudo pode. Pode dizer “no a nueva reelección”. Pode dizer, ainda, “Uribe debe dejar claro ya que este será su último período”. Por seus dizeres o jornalismo revela a si e a discursos de outra ordem, de outro lugar, da política, da economia etc. Por apropriações e reconversões o jornalismo objetiva tão somente o reconhecimento do presente.
(Angela Zamin)
* Texto apresentado na disciplina de Crítica das Práticas Jornalísticas.