Sob a égide dos critérios de noticiabilidade, jornalismo brasileiro cria seu próprio “cenário eleitoral” no imaginário do eleitor/leitor.
Quem quer ser presidente do Brasil? Se você ainda não sabe, leia o jornal. Seriam três, talvez quatro candidatos. Vamos lá: Dilma Rousseff (PT), José Serra (PSDB), Marina Silva (PV)...Talvez Plínio de Arruda Sampaio (PSOL)? Às vezes.
Faltam pouco mais de 15 dias para o primeiro turno das Eleições Gerais de 2010 e os principais jornais brasileiros já decidiram: você tem três opções, no máximo quatro. Esqueça que nos registros do TSE constam nove concorrentes . Sim, mas e o eleitor/leitor, como fica? E a sua liberdade de escolha? Bem, meu caro, o jornalismo tem seus critérios de noticiabilidade.
Descubra, então, quais são os critérios quando o assunto é Eleições 2010, segundo a Rede Globo, maior grupo de comunicação do país. Na edição do Jornal Nacional de 12 de agosto, Willian Bonner, âncora, explica:
“o critério da TV Globo foi entrevistar, na bancada dos telejornais, em 12 minutos, os candidatos de partidos com representação na Câmara que tenham ao menos 3% das intenções de voto nas pesquisas eleitorais, sem considerar a margem de erro.” (BONNER, 2010)
Pois Bem. A legislação brasileira não prevê critérios para a cobertura editorial do processo eleitoral. Se o fizesse, estaria cerceando a liberdade de imprensa, diriam os “guardiões da democracia”. Diz a Lei Federal número 9.504/97, no entanto, que para os debates de rádio e televisão devem ser convidados todos os candidatos com representação na Câmara dos Deputados. Portanto, o critério, nesse caso, é legal. Não jornalístico.
O que a Rede Globo faz quando estabelece sua “cláusula de barreiras” para entrevistas com os candidatos é nada mais do que aplicar seu próprio critério de noticiabilidade. Interessa noticiar os que alcançam mais de 3% das intenções de voto nas pesquisas. Os jornais de referência também fazem do índice, a rigor, seu critério. Criam, assim, no imaginário do eleitor/leitor um “cenário eleitoral” composto por três candidatos. Quatro... Mas um deles é coadjuvante. O PSOL tem deputados federais, mas Plínio de Arruda Sampaio não atinge 1% das intenções de voto. Teve três minutos no Jornal Nacional. Que dirão os demais!
Temos, então, os candidatos sobre os quais a mídia quer que a sociedade seja informada. Apropriando-se do que trata Maíra Rodrigues Gomes em Poder no Jornalismo (Hacker, 2003), haveria no processo de construção do tal “cenário eleitoral” a tentativa de disciplinar a interpretação que fará o leitor das eleições . Ou seja, uma tentativa de definir quem, de fato - não de direito -, disputa a Presidência da República.
Pauta = náuseas
E segue a pauta “eleições no Brasil”. Como se não bastasse “escolher” pelo eleitor/leitor os candidatos, a mídia disciplina também o que saber sobre a disputa. Sempre sobre a égide dos critérios de noticiabilidade, é claro. Já ouviu falar nos últimos dias de quebra de sigilo fiscal? Denúncias de intervenção política na Receita Federal? O que propõem os candidatos, não interessa. Não muito.
Na edição de 14 de setembro de 2010 de Zero Hora, o editorial principal intitula-se “Pauta Negativa”. Posicionava-se o jornal gaúcho a favor de uma pauta que discutisse o futuro do país, não denúncias. No noticiário, denúncias. De dar náuseas, como bem elabora Ignacio Ramonet, no que chama de “mimetismo”:
"O mimetismo é aquela febre que se apodera repentinamente da mídia (confundindo todos os suportes), impelindo-a na mais absoluta urgência, a precipitar-se para cobrir um acontecimento (seja qual for) sob pretexto de que os outros meios de comunicação – e principalmente a mídia de referência – lhe atribuam uma grande importância. Essa imitação delirante, levada ao extremo, provoca um efeito bola-de-neve e funciona como uma espécie de auto-intoxicação: quanto mais os meios de comunicação falam de um assunto, mais se persuadem, coletivamente, de que este assunto é indispensável, central, capital, e que é preciso dar-lhe ainda mais cobertura, consagrando-lhe mais tempo, mais recursos, mais jornalistas. Assim os diferentes meios de comunicação se auto-estimulam, superexcitam uns aos outros, multiplicam cada vez mais as ofertas e se deixam arrastar para a superinformação numa espécie de espiral vertiginosa, inebriante, até a náusea" (RAMONET, 2001, p.20-21).
Referências
BONNER, Willian. Jornal Nacional. Portal G1. São Paulo, 12 agosto 2010. Disponível em: . Acesso em: 13 setembro 2010.
GOMES, Mayra Rodrigues (2003). Poder no Jornalismo: Discorrer, disciplinar, controlar. São Paulo, Hacker.
RAMONET, Ignacio (2001). A tirania da comunicação. Petrópolis, Vozes.
(Autor: Felipe de Oliveira)
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