O cinema transforma fatos do presente e do passado em narrativas audiovisuais. Obviamente, o transporte dessas histórias às telas impõe uma série de técnicas, desde a captação fragmentada das cenas até o resumo de complexidades para se ajustar em um período aproximado de duas horas. A “versão do diretor” justifica o recorte da história em detrimento de fatos considerados menos importantes, ou que não poderiam ser incluídos na trama em razão do já citado tempo de exibição. Talvez uma receita de Hollywood para não deixar esquentar os copos de refrigerantes dos espectadores.
Por vezes ocorre o inverso e fatos reais se aproximam muito de histórias que o cinema já contou. O último caso, e que estrela no agendamento da imprensa mundial, é o resgate dos 33 trabalhadores soterrados em uma mina no deserto do Chile por quase 70 dias. O diretor Billy Wilder contou, em 1951, a história de Charles Tatum, um jornalista “marrom” que se aproveita de um acidente em uma mina localizada no interior dos Estados Unidos e transforma o fato em um verdadeiro espetáculo, mas com um final trágico. O nome da trama nos Estados Unidos teve um nome sugestivo: “Big Carnival”.
Certamente não esperávamos atravessamentos e consequências da manada midiática no caso do Chile como no cinema de Wilder, mas o que ocorre agora com a história dos mineiros presos contada pela imprensa parece ser a mesma que determina um padrão para o cinema. Um padrão de mais romantizar o drama das pessoas presas 700 metros abaixo da superfície, do que contextualizar o fato com questões mais profundas, como por exemplo, agendar a discussão sobre a mineração, um dos mais degradantes trabalhos realizados pelo homem. Deslocamo-nos de um ponto a outro do planeta em horas, trocamos de tudo por meio de fibras óticas e vivemos numa tal pós-modernidade. E, mesmo nessa “avançada” fase da humanidade, precisamos ainda de pessoas trabalhando embaixo da terra. Mas em quais condições? Essa fatalidade não foi a primeira, não será a última e a imprensa não retoma diversos outros casos tão trágicos como o que ocorreu no Chile.
Existe um termo na imprensa, cunhado por Edward Ross, que define a proteção às atividades capitalistas, instituições governamentais ou personalidades intocáveis, as chamadas “vacas sagradas”. Ao que parece, a mineração é uma dessas vacas. Diferente da indústria tabagista, de plástico e de petróleo, ela ainda não foi agendada. Cabe saber da imprensa o motivo. Se o cinema, às vezes, elimina o complexo para fazer caber em seu padrão audiovisual, a imprensa faz o mesmo com questões humanas para apenas tapar sua grade de programação, mas esquece que poderia fazer diferente e atuar como agente mobilizador. Jornalistas ainda se amparam em uma tal objetividade para apenas narras fatos e, o pior de tudo, incompletos. Como já citou a pesquisadora Mar de Fontcuberta, falta o contexto e sobra o jornalismo mosaico, um sintoma que só poderíamos definir como a esclerosidade midiática, quando parece faltar memória na imprensa. Afinal, é preferível pensar assim a acreditar que o jornalismo ainda proteja interesses financeiros de grandes grupos focados no extrativismo a qualquer custo.
No entanto, aplaudimos nossa atividade em saber que um dos mineiros presos viu sua filha recém nascida por meio de uma tela. Ou que permitimos ao mundo acompanhar o resgate desses trabalhadores. Parece ser apenas esse nosso consolo como jornalistas. Um dos mineiros resgatados, Mario Sepúlveda, já deu o recado: “não nos trate como artistas. Somos mineiros.”.
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(Autor: Giovanni Rocha)
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