26 outubro 2010

Jogo de visibilidade e invisibilidade

Sebastião Salgado
Fazenda Giacometti, Paraná, 1996.
Colocar em discussão o que no interior das fotografias nos leva para fora do quadro imagético. Falar do jogo de visibilidade e invisibilidade no qual a possibilidade de “entrar e sair” é que torna latentes suas tensões. Essa poderia ser, talvez, a verdadeira vocação da crítica (ou da pesquisa) sobre fotografias: discutir a carga informativa que transborda do enquadramento e faz da imagem construída pelo fotógrafo muito menos indício do acontecimento e muito mais resultado de seus atravessamentos externos.
A marcha do MST cruzando as porteiras de uma fazenda no Paraná eternizada por Sebastião Salgado já, num primeiro momento, nos joga para fora do quadro. A neblina e o homem com a foice em punho conferem certo ar épico à cena. Ambos elementos remetem ao cinema e, mais especificamente a filmes como “Coração Valente” (1995). Porém, como um Mel Gibson às avessas, o que o nosso olhar encontra na foto de Salgado é um camponês cabisbaixo frente ao seu “exército” disperso. 
O sociólogo José de Souza Martins [1] investiu sua crítica ao que considera o punctum da foto: o camponês com a foice na mão. No entanto, segundo Martins, o “enfraquecimento” da imagem não se deve ao fato do agricultor estar olhando para baixo, mas por Sebastião Salgado focá-lo a partir de dentro da fazenda. Assim, “ao atravessar a porteira, antes dos sem-terra, Salgado transfigurou completamente, com seu ato e sua fotografia, o acontecimento e a epopéia. (...) ao fazer isso, privou o ato de sua dimensão ritual, destituiu a liturgia da conquista de sua dimensão épica, dando-lhe a conotação de simulação do épico”[2].
Neste sentido, o próprio autor afirma que a sua fotografia, como qualquer outra, é uma forma de intervenção direta no que está sendo fotografado. “Quando fotografo, eu o faço com meu subconsciente, com a minha ideologia, entendida como o conjunto das minhas idéias, e é claro que a fotografia é inteiramente conduzida. Disso eu tenho consciência absoluta"[3]. Portanto, a crítica não se volta à plasticidade desse acontecimento. Mas às práticas do fotógrafo. Salgado é um fotógrafo extremamente consciente de sua busca pela beleza mesmo nas situações mais adversas, como na luta pela terra. E o impacto de suas obras se deve muito a esta qualidade estética.

O que faz essa fotografia, em específico, perder parte de sua força, não está na forma, mas no conteúdo ideológico que se dá a ver. É justamente a escolha do enquadramento que nos joga para fora da imagem. Ao escolher este ponto-de-vista, o fotógrafo faz saltar aos olhos dos espectadores o que está na ordem do invisível. Sebastião Salgado, enfim, se posiciona sobre o movimento sem-terra: invasões mediáticas, premeditadas pela objetiva.



[1] MARTINS, José de Souza. Sebastião Salgado: a epifania dos pobres da terra. IN: MAMMÌ, Lorenzo; SCHWARCZ, Lilia Moritz (ORG). 8 x fotografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2008, p. 133-171.
[2] Idem, p. 142
[3] “Cultura: Entrevista com Sebastião Salgado - Caçador de luz” - Entrevista com o fotógrafo Sebastião Salgado realizada pelo historiador e assessor da Secretaria Agrária Nacional do Partido dos Trabalhadores no ano de 1999, Rogério Sottili, publicada no site da Fundação Perceu Abramo em 17/04/2006. Disponível em: http://www.fpabramo.org.br/o-que-fazemos/editora/teoria-e-debate/edicoes-anteriores/cultura-entrevista-com-sebastiao-salgado-ca.

(Autor: Júlia Capovilla)

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